Ale Gabeira

Artista, fotógrafo, cineasta.

"O artista começa com a criança. E também se mata o artista desde criança. Por isso que é tão importante respeitar a infância, respeitar a personalidade das crianças."

Você já era uma criança artista?
Eu acho que eu fui uma criança artista, arteira, aberto a novas descobertas, encantado com as cores, formas. Uma criança que desenhava, que dançava, que jogava futebol. Fazia tudo que uma criança fazia, feliz por poder ser criança. A arte estava lá presente. Minha trajetória como artista começa com minha infância.

Então você já sabia que ia ser um artista desde pequeno?
Não. Demorou um tempo a decidir que eu seria mesmo um artista, não foi tão automático. Antes me formei em jornalismo. Fui fotógrafo e cineasta. Mas estava tudo lá, desde sempre. Toda criança tem o direito a ser um artista.

O que você acha de exposições de arte em praças, lugares abertos a todos?
O lugar da arte é no espaço público, perto das pessoas, mesmo que às vezes precise estar no museu ou em galerias por motivos técnicos. Se a arte pode estar na rua, ela deve estar na rua.

O projeto "Arte na Praça" foi criado antes da pandemia?
Sim! Esta é uma das estratégias mais interessantes para a formação de público. Depois, com os museus fechados, foi um verdadeiro alívio para os amantes das artes e também para os artistas. Já está na terceira exposição agora (até fim de janeiro de 2021). Foi uma iniciativa da empresa Farah (que cuida de parques e praças). E as obras e artistas são escolhidos por Marc Pottier, o curador.
Saiba mais aqui:
Projeto Circular - Arte na Praça Adolpho Bloch

Você pretende fazer outras obras em São Paulo?
Espero voltar a São Paulo e fazer muitas obras, principalmente que atraiam as crianças pra participarem. É muito lindo quando a gente consegue fazer um trabalho de arte que toca as crianças também. Acho que todo artista deseja fazer um trabalho que toque todo mundo.

O que os artistas e as crianças têm de parecido?
Eu não faço muita diferença entre artista e criança. Pra mim artistas e crianças estão muito próximos, num olhar inocente e questionador diante da realidade sobre o mundo. Se a gente pensa que já sabe tudo, a gente não consegue questionar o mundo. E a criança, como está zerada, tudo é novo. Pra ela também tudo é questionamento. Produzir arte é questionar o mundo.

Então é bom para o artista ser um pouco criança?
É bom pro artista manter este lado criança, poder explorar seu trabalho, às vezes, com olhar inocente. O artista começa com a criança. E também se mata o artista desde criança. Por isso que é tão importante respeitar a infância, respeitar a personalidade das crianças. Tentar potencializar e não podar uma educação libertadora. Isso vai dar muitos artistas no futuro. E mesmo que eles não façam da arte sua profissão. Eles podem ser grandes artistas em suas profissões. Porque eu digo "artista" também sobre aquela pessoa que vai fundo, que impressiona, com novas criações, novas possibilidades.

Onde você nasceu? Onde mora?
Eu nasci no Rio de Janeiro, sou carioca. Mas responder onde eu moro é difícil porque estou sempre viajando por causa do meu trabalho. Eu posso dizer que eu moro no caminho. Hoje vivo em Marrakesh, no Marrocos, porque estou produzindo uma obra aqui. Geralmente eu moro onde eu estou.

Como virou um artista?
Com uns 30 anos eu era jornalista, fotógrafo, cineasta. Estava fazendo muitas coisas legais e um dia me chamaram para fazer um documentário sobre artistas visuais. Então eu disse: "Caramba! Eu quero fazer isso também! Vou voltar à estaca zero e vou me tornar um artista." Tive muitos mestres e fui fazendo meu caminho.

Quais artistas influenciam o seu trabalho?
Todos os artistas que eu conheço influenciam meu trabalho, quer eu goste, quer eu não goste. Tem alguns que influenciam mais. Vou citar um que acho interessante a garotada conhecer: Helio Oiticica. Ele levou a arte brasileira pro mundo. A obra dele me impressiona, me inspira, me influencia. Fica esta dica para quem não conhece, conhecer.

Como a arte pode transformar o mundo e as pessoas?
Acho que a arte vem transformando as pessoas e o mundo desde sempre.
A busca pelo belo, pelo equilíbrio, vai sempre influenciar nossa forma de vestir, da arquitetura... A arte nos propõe novos mundos, outros mundos, através de tantos recursos, por tantos meios. Enfim, existem muitas formas de fazer arte. Ela busca tornar a pessoa mais sensível para o mundo.
O papel da arte está no sensível, não é muito claro. Não é fácil de explicar. Está no indizível, aquilo que está por trás, é o efeito colateral... é isso que muda as pessoas. Enquanto a humanidade não perder a capacidade de se espantar e de se maravilhar, a arte continuará fazendo seu papel de transformação inevitável. A partir da arte, conseguimos apoiar ideias.
Mas é preciso dizer que existem também mensagens não legais, porque a arte é uma forma de propaganda. Então precisamos olhar sempre com olhos críticos.

Como será a arte depois da pandemia?
O Corona vai influenciar a produção de arte porque a arte não está desvinculada da realidade. Pelo contrário. A arte faz a crítica da realidade, a reinvenção da realidade. Mas acredito que muitos artistas, crianças, pais, brincaram de ser artistas durante a quarentena. O confinamento fez muita gente se aproximar da arte.

Qual foi a importância da arte neste momento?
A arte virou uma grande terapia. Para mim, pelo menos. E imagino que para muita gente. E vocês vão ver o resultado em breve.
A arte como uma forma de expressão, que não tem gramática, que você faz como quiser. Ela foi muito importante como forma da pessoa conversar consigo mesma. E para dar esperança.

Como surgiu sua obra "Cama de Gato"?
O projeto "Cama de Gato" nasceu na cidade de Daejeon (foto abaixo), na Coreia do Sul. Fui convidado a criar uma obra lá e percebi na cultura coreana uma relação muito forte do lugar com a infância, observando as cores, o design, o modo de se relacionar que as pessoas de lá têm. Isso me levou a pensar em jogos, na minha infância. Lembrei da brincadeira cama-de-gato e achei que ela, com suas cores, poderia conversar com o espaço. O meu trabalho é muito baseado em arte pública (na rua, aberta a todos.). Gosto de criar movimento através dos objetos e passar assim uma mensagem. Então fiz uma instalação no jardim do centro cultural, que é um espaço público. Para as pessoas se depararem com esta intromissão das linhas coloridas no meio da paisagem, das árvores.

E depois esta obra veio para o Brasil, certo?
Isso. Mais tarde fui convidado a repetir minha "Cama de Gato" em São Paulo, numa exposição chamada "Os Artistas se Divertem" que mostra justamente esta relação da arte com a infância.

Veja aqui a exposição "Os Artistas se Divertem"

De onde você tirou a inspiração para a obra?
A ideia surgiu a partir de uma brincadeira, de ver o trabalho artístico como um jogo. O objetivo do jogo em si é jogar. O artista cria um jogo, cria as regras, ele joga o jogo. E esse é o movimento proposto com a instalação "Cama de Gato". Agora ela está exposta ao lado da Igreja São José, em São Paulo. E foi feita uma versão na cidade de Vitória, Espírito Santo.

Ale Gabeira faz uma comparação entre as linhas entrelaçadas, de várias cores, e nós, todos interligados. É a gente formando uma grande rede no mundo.



Veja entrevista que fizemos com Ale Gabeira em nosso Instagram:
https://www.instagram.com/tv/CULsod0Faso/

Setembro de 2021




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